Viajando no barco do outro: Mia Couto e Guimarães Rosa
Abstract
Com base na literatura de Mia Couto e na convergência estrutural e linguística deste com Guimarães Rosa, pretendemos identificar correspondências simbólicas e alegóricas entre o universo ficcional e a história da guerra colonial em Moçambique, bem como seus desdobramentos pós-coloniais. Ao mesclar ficção e documentário, tal literatura traça um retrato poético e alegórico da Moçambique contemporânea, de cujo contexto despontam inventários de fragmentos, modulações melancólicas de vozes a reverberar rastros de tradições, ritos e mitos de um país em ruínas. Por sua feita, Guimarães Rosa, escritor brasileiro, implode e estilhaça, kafkianamente, os hábitos linguísticos cristalizados na Língua Portuguesa, fazendo cintilar — nos interstícios minados da língua formal — uma outra língua, "sua língua brasileira", instrumento mediante o qual ele postula o direito de renovar a língua, para renovar a literatura e a vida: "Minha língua é a arma com a qual defendo a dignidade do homem (...). Somente renovando a língua é que se pode renovar o mundo" (1994: 52). Este trabalho salientará, enfim, não apenas acontecimentos traumáticos, perdas e luto, mas também instantes de superação e travessia – cintilações a iluminar devires, espaços ainda desabitados, práticas nômades, a hibridez de histórias, culturas e zonas fronteiriças de que fala Mia Couto, escritor cuja literatura confere visibilidade à história traumática da Moçambique pós-colonial. Para tanto, ancorar-nos-emos nas imagens de entre-lugar ou de não-lugar, obscuros limites fluviais através dos quais Guimarães Rosa faz um barco à deriva deslizar n’ "A terceira margem do rio", conto com o qual Mia Couto entabula um fecundo diálogo.
DOI Code:
10.1285/i9788883051272p1305
Keywords:
Mia Couto; Guimarães Rosa; Moçambique; terceiras margens; travessia
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